quinta-feira, 2 de outubro de 2008

PREGAÇÕES DO PR. FAUSTO AGUIAR

2.2 A Crise de Identidade da Igreja
O que é ser cristão no mundo, hoje? Parece-nos que esta pergunta não tem sido bem respondida pelos pastores com seus sermões. Nossa pesquisa junto aos membros das Igrejas Batistas da região de Campinas aponta que há diversos temas atuais que nunca são abordados por quase a totalidade dos pregadores, embora seus ouvintes vivam num mundo perturbado por tais questões. O mais grave disso é que nossa pesquisa junto aos pastores aponta que boa parte deles nem sequer busca conhecer ou atualizar-se acerca destas questões cruciais e atuais.
É claro que tal alienação por parte dos pastores não se deve pura e simplesmente à má vontade destes, mas a uma estrutura muito mais complexa, explicável pelo diagnóstico da “crise de identidade” que afeta também estes pastores. Pensamos que, de modo geral, os pastores não respondem à pergunta “o que é ser cristão no mundo hoje?” porque, principalmente, não conseguem fazer uma leitura fidedigna da realidade que nos cerca.
A necessidade de a Igreja adaptar-se ao contexto social é reconhecida por Merval Rosa. Para ele na falta desta capacidade está a razão para que a nossa pregação quase sempre se dirija a problemas apenas em termos genéricos. Para ele, damos margem àqueles que nos acusam de pregarmos “uma espécie de alienação”.
Merval Rosa conclui que a pregação é o principal meio para transmitir ao homem códigos que lhe possibilitem ser “sal e luz para a Terra”. Da forma como a pregação é feita hoje, onde o indivíduo ouve que deve tornar-se agente de transformação na sociedade, mas deixa de receber os instrumentos para esta ação, a crise de identidade tende a perpetuar-se.
O indivíduo convertido por nossa pregação fica quase sempre fechado e protegido dentro da comunidade evangélica numa espécie de marginalização social. (...) Em grande número de casos é difícil encontrar a relação entre aquilo em que nós cremos e nosso comportamento na vida cotidiana. Será que um pregador do Evangelho do período apostólico reconheceria nossa pregação? Ao entrar hoje em nossas igrejas para ouvir nossos pregadores o que pensariam que estão querendo dizer? Será que o protestantismo do Brasil se identifica com a fé Bíblica e com o Espírito da Reforma ou está se tornando cada vez mais um moralismo que enaltece a capacidade de autoredenção do homem? Estamos produzindo cristãos que sejam novas criaturas, sal da terra e luz do mundo, força dinâmica de transformação ou meros conformistas a um legalismo asfixiante e a um moralismo castrante?
Interessante notar que Merval Rosa atribui a culpa pelo Cristianismo desfigurado dos nossos dias ao tipo de pregação que se pratica em nossas Igrejas. Atentando para suas ponderações podemos concluir que o resultado deste tipo de pregação geradora de crise produz, não discípulos de Cristo, mas fariseus modernos.
Analisando a Igreja evangélica brasileira deste final de milênio Caio Fábio afirma que o maior problema desta está relacionado à ética. Para ele há uma fraqueza ética na Igreja, cuja raiz deriva-se da “fraqueza reflexiva”.
Essa Igreja alegre e feliz identificada com boa parte da população tem dado muito pouco valor ao estudo e à reflexão na Palavra. Sem o estudo, sem a reflexão, não se adensam no coração de ninguém os referenciais que formam o caráter, que balizam o comportamento, que enchem o ser com conteúdos éticos, que o capacitam a viver não apenas uma santidade religiosa, mas uma santidade social ampla.
Justamente a falta de estudo e reflexão na Palavra é o fator levantado para implementar uma “crise de ser” da Igreja. E qual é a maneira clássica pela qual o povo ouve e reflete na Palavra? Não resta dúvida que na medida em que a pregação torna-se ineficiente e abdica da sua condição e importância que a própria Bíblia lhe atribui, o povo perde os referenciais que lhe possibilitariam viver o Cristianismo na essência.
A realidade social e cultural contemporânea com a qual a Igreja brasileira tenta conviver é descrita por Christian Gillis num artigo onde propõe alternativas à Igreja a fim de galgar o desafio da contextualização. Ele aponta seis principais fatores que determinam esta nova realidade. O primeiro deles ressalta as mudanças políticas e econômicas ocorridas a partir da década de 70 e que, inegavelmente, produziram profundas mudanças sociais. Na visão deste autor tais mudanças geraram uma “crise institucional generalizada” e exigiu também novas respostas teológico-eclesiásticas.
Os outros fatores que, segundo Gillis, cooperam para o surgimento de um novo ordenamento sócio cultural são: o desmantelamento das estruturas e economias comunistas, o desenvolvimento tecnológico nas comunicações, na informática e na biologia, o movimento feminista, a acelerada urbanização, o renascimento místico e a consciência ecológica.
Todos estes fatores correspondem a tendências que têm consolidado uma nova mentalidade com a qual a Igreja precisa aprender a lidar.
É nesta realidade histórica que a Igreja precisa sobreviver e desempenhar sua tarefa. Justamente pela complexidade do panorama histórico é que se acentua a crise de identidade da Igreja. Gillis afirma que a Igreja erra em preocupar-se demasiadamente com o passado, ao mesmo tempo que não percebe as mudanças ocorridas ao redor. Para ele o problema da Igreja não está na questão do “ser Igreja”, mas no “como ser Igreja aqui e agora”. Conclui ser preciso uma remodelação das estruturas da Igreja para que seus membros não sejam submetidos a viver entre as paredes eclesiásticas “respirando uma realidade alheia ao mundo”, sofrendo uma espécie de “esquizofrenia histórica”.
É certa e direta a relação entre a situação de desprestígio do ministério da pregação e a crise de identidade da Igreja. Por isso que a pregação, biblicamente, é a principal tarefa do pastor, justamente porque por ela, principalmente, o povo recebe palavras de vida, não somente de vida eterna, mas de vida abundante em meio à sociedade. Quando pensamos na pregação desta maneira, somos motivados a lembrar de Lloyd-Jones, um entusiasta pelo ministério da pregação.
... o pregador não está ali meramente para falar com eles, nem está ali a fim de divertí-los. Ele se encontra ali - e quero ressaltar isto - para fazer algo em favor daquela gente; ele está ali para produzir resultados de várias modalidades, ele está ali para influenciar pessoas. Não lhe compete meramente influenciar uma parte delas; não lhe compete influenciar suas mentes, ou apenas suas emoções, ou meramente fazer pressão sobre a vontade delas, induzindo-as a se lançarem a alguma atividade qualquer. Mas acha-se ali a fim de tratar da pessoa inteira; e sua pregação tem por intuito atingir a pessoa inteira, no próprio centro da vida. A pregação deveria efetuar uma diferença tal no indivíduo que a ouve, que nunca mais ele fosse a mesma pessoa novamente. Noutras palavras, a pregação é uma transação entre o pregador e o ouvinte. Realiza algo em prol da alma humana, em favor da pessoa inteira, do homem todo; trata dele de maneira vital e radical.
Concordando com a centralidade da pregação no ministério pastoral e de sua vitalidade à saúde do povo de Deus, entendemos não haver dúvidas acerca da relação entre o tipo de pregação descaracterizado de fidelidade bíblica mais aplicação relevante e os sintomas que marcam o Cristianismo dos nossos dias.
Esta crise de identidade pela qual a Igreja passa é diagnosticada por diversos autores. Um deles é Ray Harms-Wiebe, num ensaio intitulado “Estrutura Criativa”, onde propõe caminhos para a Igreja brasileira deste final de milênio.
A Igreja cristã, tanto católica quanto protestante, está em crise. Ela já não desfruta mais da posição privilegiada que mantinha há cinquenta anos. Por isso precisa estudar novamente os relatos bíblicos e redescobrir a razão da sua existência.
Esta crise requer uma análise profunda por parte do Corpo de Cristo acerca do seu contexto sócio-cultural. Este autor sugere que cada comunidade local deve se prostrar diante de Deus e pedir “sua visão” para cumprir um papel relevante dentro do momento histórico.
Sem esta “visão”, seremos uma Igreja destinada a morrer! Esta é a conclusão de J. Scott Horrel com relação à Igreja “tradicional e denominacionalista”. Para ele a razão disto se deve às características que são marcantes nestas Igrejas: formas antiquadas, falta de criatividade, falta de penetração junto à população circunvizinha, preguiça espiritual, baixa ética moral e ignorância das verdades bíblicas.
Obviamente, na medida em que a pregação falha e o crente deixa de reconhecer como ser crente no mundo atual, a consequência mais óbvia disso passa a ser a apostasia, o afastamento dos crentes das Igrejas “tradicionalistas”. Estes crentes ou migram para outras denominações ou voltam-se para o “mundo”.

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