quinta-feira, 2 de outubro de 2008

REPORTAGEM TENDENCIOSA, mas muito intereçante para se olhar, com um olhar critico

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São Luís (MA) - terça-feira, 30 de setembro de 2008
REVISTA DA FAMÍLIA

Reportagem Tendenciosa, mas muito intereçante para se olhar, com um olhar critico

Crescendo na fé
Elas pregam, dão conselhos, atendem desesperados e prometem cura. Conheça crianças que atuam como pastoras nas igrejas evangélicas do país
Karla Monteiro
Alex Silva de 13 anos, “cura” uma fiel que desmaiou durante vigíliaAlex Silva entra em ação. É sábado, quase meia-noite. Na platéia, mulheres com roupa de domingo e homens trajando as suas melhores fatiotas. Cerca de 800 pessoas, ao todo. O missionário de pouco mais de 1,40m é o segundo pastor a falar na vigília evangélica da Assembléia de Deus que acontece em uma escola no bairro Parada de Taipas, periferia de São Paulo. Ele começa por uma passagem bíblica que diz “há tempo de plantar, há tempo de colher”. Ironicamente, o pregador em questão só tem 13 anos. Com sotaque baiano, terno muito bem passado e sapato de bico fino, o menino segue a cartilha, ora falando baixo e pausadamente, ora aos berros e quase em fúria. O discurso, cuidadosamente articulado, segue em um crescente, levando os fiéis à beira da histeria. Quase três horas depois, vem o golpe de mestre. Alex convida a turba a se aproximar do púlpito. Glória a Deus: o clima agora é de real catarse. Enquanto algumas pessoas pulam e sacodem freneticamente o corpo, outras desmaiam. O garoto coloca-se, então, à disposição para curar as enfermidades do seu rebanho. A fila se forma. Alex pousa a mão na testa de um por um. Todos desabam após serem tocados. Um homem sai dizendo que foi “libertado” de uma insônia que o acompanha há dois anos:— Hoje eu nem vou tomar remédio. Estou morrendo de sono. Meus olhos não estão vermelhos?Uma senhora idosa enfrenta a fila cinco vezes, sempre munida de retratos de parentes. É derrubada, para usar o jargão local, nas cinco investidas. Para colorir a cena já surreal o suficiente para olhos desavisados, 12 meninas vestidas de longo cor-de-rosa, bordados de prateado, protagonizam, ao fundo, um show de dança, bem no estilo das chacretes. Seis horas da manhã. Dia claro. Alex encerra. Hora de criança ir para cama. Aleluia!Por trás do missionário mirim, existe um mundo, segundo as estatísticas do IBGE, habitado por 37 milhões de almas. O Brasil ocupa o posto de terceiro maior país em número de protestantes, distribuídos em mais de cem denominações evangélicas. Os Estados Unidos, o grande líder, têm aproximadamente 55 milhões de protestantes. A atuação de crianças nesse universo — como Alex, Ana Carolina Lucena Dias, de 12 anos, e Paloma Gomes da Silva, também de 12 anos, os pastores mirins que você vai conhecer ao longo desta reportagem — é cada vez mais comum. Elas pregam, dão conselhos espirituais, atendem desesperados de toda ordem, evangelizam e, claro, gravam CDs e DVDs. De acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Discos, os produtos gospel abocanham 10% das vendas de CDs e DVDs do país. Só para se comparar: o pop/rock fica com 27% da fatia do bolo e o forró com 15%, enquanto o pagode, a música sertaneja e a MPB têm porcentagem igual: 11%. O axé participa com 3%, a música infantil com 2% e o restante, 10%, fica dividido entre outras variações musicais. Traduzindo em cifras, o setor religioso movimenta sozinho R$ 61 milhões de reais, sem incluir aí, claro, a pirataria. Alex, por exemplo, já está no segundo DVD. Sua vendagem, segundo o pastor Waldir Ruas, uma espécie de mentor espiritual do menino, ainda não está consolidada. Mas seu sucesso é inspirador. Quase milagroso.— Ele está começando. Acabamos de gravar seus DVDs. Para se ter uma idéia, vendemos 70 unidades em exatos três minutos depois de uma pregação num encontro evangélico — conta, animado. — Deus usa muito o Alex para curas. Ele já pregou até na Argentina.Histórias de fé permeiam o caminho dessas crianças que falam de demônios, inimigos e salvação sem nem mesmo terem experimentado o inferno aqui na terra. Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Em uma casa simples, caprichosamente arrumada, vive Ana Carolina Lucena Dias. Aos 12 anos, ela já é uma veterana nos púlpitos país afora. Começou a pregar com apenas 3 anos.
Ana Carolina Lucena Dias, 12 anos. A menina, que montou um Pronto-Socorro Espiritual na casa onde mora com os pais, em Campo Grande, no Rio, começou a pregar aos 3 anos. Nas fotos, ela ora com uma fiel, lidera um culto na Tijuca (abaixo) e autografa um dos quatro CDs que já lançou
De sandália de salto da Melissa, Carol diz, com lágrimas nos olhos, que só está viva por milagre. Aos 2 anos, ficou doente e foi desenganada pelos médicos. O pai, o pastor Ezequiel Dias, da Assembléia de Deus, resolveu, então, entregar o caso para Deus. E, na mesma madrugada, após ouvir uma voz, a menina teria pedido comida. Um ano depois, seu Ezequiel foi a uma rádio, levando a filha a tiracolo, para anunciar uma vigília da sua igreja. O locutor sugeriu que a garotinha fizesse o anúncio. Em vez de dar o recado, Carol começou a pregar. Sem roteiro, sem ensaio. O telefone disparou. Eram fiéis que tinham sido “tocados” pela criança. Estava assim traçado o caminho da menina, que ficou ainda mais conhecida no site YouTube. Carol já percorreu programas de TV e tem quatro CDs gravados. Faz, em média, oito pregações por mês, atende por telefone em seu Pronto-Socorro Espiritual, um escritório bem montado no segundo andar de sua casa, já viajou em missão para a Alemanha e duas vezes para os Estados Unidos. Em breve, será personagem de um documentário produzido pelo canal 4 da Inglaterra. — Na Alemanha, tem uma história engraçada. Lá é proibido pregar na rua. Eu falava Jesus te ama em alemão bem alto. Aí apareceu um carro da polícia. Saímos correndo. Tive que ficar escondida no hotel até a hora do culto — conta. — Não dá para explicar o que eu sinto. Sinto uma alegria enorme vendo pessoas se rendendo ao Senhor. Nosso maior objetivo é alcançar almas para o reino de Deus.Carol é doce, tímida, inteligente, cheia de sonhos. Conta que quer ser juíza, mostra a coleção de ursos de pelúcia e a cama onde dorme, ainda no quarto dos pais. Ela é unha e carne com seu Ezequiel. Inseparáveis, como define a mãe, Suzana. Quando sobe no púlpito, no entanto, a menina vira gente grande. Em uma quinta-feira, na Tijuca, Carol pregou para mais de 500 mulheres da comunidade evangélica da redondeza. A menina pastora começou o show por volta das 21h. Tirou as sandálias e deu início. — Faixa 4, amado, por favor — pediu ao responsável pelo som. Ela recorreu a uma passagem bíblica sobre a prostituta Hagar, que era uma “boa senhora, porém prostituta”. A garota repetiu as palavras “porém prostituta” duas, três, quatro, cinco vezes. Seguiu a pregação por cerca de duas horas, alternando eloqüência e brandura. Concluiu dizendo que, como Hagar, todos têm um porém na vida. — Amados, eu tenho um porém. Vocês têm um porém. Mas tenho certeza que, quaisquer que sejam os nossos poréns, Jesus, Ele, está conosco — arrematou. A platéia explodiu. — Assim como se estuda para uma prova, se estuda para uma pregação. Eu escolho um personagem da Bíblia, pesquiso sobre esse personagem e pego opiniões com o meu pai. No fim, monto um texto-base só para me dar direção. Mas na hora flui, recebo mensagens — garante. — Eu me considero uma adolescente normal. Brinco com as minhas amigas, vou à escola. A diferença é que preciso do meu momento de calma, do meu momento com Deus todos os dias.A explicação para o fenômeno dos pastores mirins é simples, segundo várias correntes. A antroposofia, por exemplo, ciência desenvolvida pelo austro-húngaro Rudolph Steiner, divide a infância em setênios. Nos primeiros sete anos, a criança imita e, de 7 a 14, ela sente, mas ainda não elabora o pensamento. Dentro dessa lógica, os pequenos missionários agem movidos pelo sentimento. Puro instinto. A filósofa Viviane Mosé aposta na associação da força desses sentimentos a uma inteligência acima da média. A pregação seria só a forma que encontraram para expressar a sua capacidade. Já a psicanálise aponta para a “identificação maciça”, como explica Joel Birman: — As crianças entram de cabeça em tudo o que fazem. Os adultos têm mais defesas. No processo de identificação maciça, você é o outro. É mais do que ter o que o outro tem. É ser o outro. Dentro do universo evangélico, ser pastor é o equivalente a ser artista de cinema.
Paloma Gomes da Silva. 12 anos a pastora Palominha, como é conhecida, lê a Bíblia na porta de uma loja de produtos religiosos em São Paulo, onde atrai fiéis como Narriman Vitória, de 3 anos, que já ensaia para virar missionária (acima). Abaixo na foto menor, Paloma brinca com os irmãos em casa
Pastores viram celebridades mirins
Alex Silva, 13 anosO baiano que se mudou para São Paulo para investir na carreira de pastor banca o curandeiro numa vigília que vai até de manhã. Na foto menor, ele se arruma para o culto diante dos filhos do pastor
Na porta de uma loja de produtos religiosos no centro de São Paulo, Paloma Gomes da Silva, de 12 anos, é, de fato, uma celebridade. Seus CDs e DVDs vendem como água. A menina distribui autógrafos enquanto canta e prega para dezenas de fiéis que se aglomeram à sua volta. A pastora Palominha, como é conhecida, começou a carreira aos 7 anos. Até então, fazia showzinhos para as crianças do prédio onde seu pai, Severino Luís da Silva, era zelador. Quando foi demitido do emprego, seu Severino, evangélico ferrenho, resolveu investir no dom da filha. Apostou o fundo de garantia, cerca de R$ 16 mil, na divulgação da garota. Seu primeiro CD vendeu 16 mil cópias. O segundo, recém-lançado, está em 8 mil cópias. E o terceiro chega às lojas no fim do ano. A rotina de Palominha é digna de estrela do show business. Todo dia ela apresenta um programa de uma hora em uma rádio local e faz shows de quinta-feira a domingo — fora as viagens para o interior do país. Paloma vive com os pais e os dois irmãos em uma casa de três cômodos em Interlagos, periferia de São Paulo. A mãe, Eliane, cuida do visual da filha. Semanalmente, compra novos vestidos e sapatos — sempre de salto alto — para ela não fazer feio nos palcos. Palominha gosta de brincar de culto: transforma a tábua de passar roupas em altar e escala o irmão Paulo Henrique, de 11 anos, para tocar bateria, enquanto a mãe e o caçulinha da casa, João Paulo, de 11 meses, viram platéia. A brincadeira serve de ensaio. Ela está se preparando para um tour de dez eventos nos Estados Unidos. — Quero dedicar toda a minha vida à palavra de Deus. As pessoas me pediam para pregar, mas meu pai não deixava. Ele só queria que eu cantasse. Mas, quando eu tinha 9 anos, aconteceu: o pastor não apareceu, eu preguei e Deus fez milagres maravilhosos — conta.Assim como Paloma, Alex também se diverte brincando de pastor. Ele conta que quando ainda era bem pequeno, em Feira de Santana, na Bahia, costumava imitar o líder da igreja local:— Eu pregava em frente ao espelho, pregava para as plantas. Achava interessante, ficava fascinado e imitava.Um dia, Alex tomou coragem e pediu ao pastor para subir no púlpito. Tinha, então, 9 anos. A primeira apresentação foi um sucesso. No ano passado, sem um tostão no bolso, o menino resolveu tentar a sorte em São Paulo. Convenceu a mãe, a doméstica Maria Aparecida, a acompanhá-lo e instalou-se em Osasco. Ele conheceu o pastor Waldir Ruas em um culto. Alex conta que ficou de olho “no sapato bonito do irmão”. Hoje, Ruas cuida da carreira do garoto, que já tem oito sapatos do mesmo modelo e 12 ternos no armário. Alex gosta de assistir aos DVDs dos seus pastores prediletos, de jogar futebol e de passar horas lendo a Bíblia para preparar seus discursos. Ele quer começar a estudar hebraico ainda este ano e pretende fazer duas faculdades: filosofia e teologia. — Já joguei futebol na escolinha do Inter de Milão, mas percebi que não queria jogar bola. Queria pregar. A sensação é muito boa. Adoro quando termino e as pessoas vêm me dizer que sou bom orador — comenta.

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